Friday, May 6, 2011

Henrique Ribeiro




ELISABETE


Uma torrada sem manteiga,
mas com sabor a ovos frescos.
Dois olhos sem brilho, mas com rimel.

Duas mãos calejadas e gretadas da lixívia.

O cigarro no canto da boca,
a cinza formando montículos
de esperança derretida, como neve ao sol.

Vestidinho arranjado, maneiras indiferentes.
Mas, no canto do olho, assimilando os pormenores.

Alguns minutos, poucos, de abrandamento de tensão.
Dois dedos de conversa, que o homem até é simpático.
Riso despreocupado, que o homem até tem piada.

Mas, a realidade volta a impor-se bruscamente.
A sombra regressa aos olhos que perdem o brilho.
O sorriso extingue-se, languidamente.
A bata verde cerceia sonhos.
O esfregão tolhe voos maiores e a lixívia, pouco a pouco, lava a esperança.

Mais um dia.
Antecedido de outros, procedente dos que virão.
Iguais.
Tal e qual.
Com a novidade de um sorriso, diferente, ou uma nova maneira de dizer BOM DIA.

Henrique Ribeiro
Do livro
Mulheres de Um Tempo Inexistente (1989)

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