Friday, May 6, 2011

Maria Melo




Charneca em Flor



Eu vi desabrochar as belas flores

Em campos perfumados de lilases

E vi a fenecerem os amores

Nas veias dos amantes mais audazes


Que já não há flores na Primavera

Daquelas que coloriam a charneca

E a boca vai secando enquanto espera

A seiva do teu corpo que em mim peca


Eu já não colho flores em meu braçado

Mas desse tempo bom ainda lembro

Teu rosto, tão feliz, enamorado


A ver essa charneca a meu lado

Fazendo a Primavera em Setembro

Num gesto de meiguice, enfeitiçado




No Livro AO ENCONTRO DE FLORBELA

Maria Melo

Henrique Ribeiro




ELISABETE


Uma torrada sem manteiga,
mas com sabor a ovos frescos.
Dois olhos sem brilho, mas com rimel.

Duas mãos calejadas e gretadas da lixívia.

O cigarro no canto da boca,
a cinza formando montículos
de esperança derretida, como neve ao sol.

Vestidinho arranjado, maneiras indiferentes.
Mas, no canto do olho, assimilando os pormenores.

Alguns minutos, poucos, de abrandamento de tensão.
Dois dedos de conversa, que o homem até é simpático.
Riso despreocupado, que o homem até tem piada.

Mas, a realidade volta a impor-se bruscamente.
A sombra regressa aos olhos que perdem o brilho.
O sorriso extingue-se, languidamente.
A bata verde cerceia sonhos.
O esfregão tolhe voos maiores e a lixívia, pouco a pouco, lava a esperança.

Mais um dia.
Antecedido de outros, procedente dos que virão.
Iguais.
Tal e qual.
Com a novidade de um sorriso, diferente, ou uma nova maneira de dizer BOM DIA.

Henrique Ribeiro
Do livro
Mulheres de Um Tempo Inexistente (1989)